Agnieszka Sural: Em 2016, Culture.pl está organizando a primeira apresentação da cultura polonesa, de grandes dimensões, no Brasil. Por que exatamente agora, e por que nesse país?
Dorota Kwinta: O Brasil é um país que tem muitos laços conosco – foi lá que vários artistas, arquitetos e escritores de origem polonesa criaram muitas obras interessantes durante o século XX. É uma terra onde a criatividade polonesa se desenvolveu de forma bem interessante e criou uma qualidade nova no encontro com a cultura brasileira. Temos curiosidade de conhecê-la!
Qual é a história da emigração polonesa para o Brasil?
Podemos falar de três ondas principais de emigração. No final do século XIX e no começo do XX ocorreu, principalmente, a emigração camponesa que se dirigiu para o sul do Brasil. No período entreguerras e durante a Segunda Guerra Mundial, muitos judeus poloneses foram para o Brasil, dos quais muitos se assentaram em São Paulo, enquanto durante e após a guerra emigraram os representantes da elite: a aristocracia, os intelectuais e artistas
Porque escolheram a América do Sul na busca de uma vida melhor?
No final do século XIX e nas primeiras décadas do XX, os europeus recebiam terras de cultivo no Brasil gratuitamente. Em 1888, a escravidão foi abolida no Brasil e uma grande quantidade de negros, ex-escravos, ficou sem nenhuma garantia de emprego por parte do Estado. Os colonos europeus que apareciam naquela época criaram fazendas novas. O que os esperava, porém, não era um paraíso. Desmatavam a terra e aos poucos aprendiam a cultivá-la.
Onde vivem os descendentes de emigrantes poloneses hoje?
A diáspora polonesa vive principalmente no estado do Paraná, com a capital em Curitiba. É ao mesmo tempo a capital da Polônia no Brasil. Lá acontece, por exemplo, a Festa do Pierogi. Em São Paulo e no Rio de Janeiro vive um bom número de intelectuais, artistas e empresários de raízes polonesas e polono-judias. Temos também a nova emigração, não em grande escala, atraída para o Brasil pela perspectiva de trabalho em empresas especializadas, estudos e questões pessoais.
Como os poloneses influenciaram a cultura brasileira?
Os poloneses fundiram-se com a cultura local e contribuíram através da herança da cultura polonesa e europeia. Alguns criadores que tinham chegado já como artistas formados se tornaram importantes para a cultura do Brasil. Foi assim no teatro com, por exemplo, Zbigniew Ziembiński – ator e diretor que antes da guerra atuou no Teatro Polski em Varsóvia. Ele foi para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e lá começou a encenar com bastante rapidez. Ziembinski trouxe vertentes modernistas para o teatro local e o modificou de maneira crucial. Cooperou com o dramaturgo brasileiro mais famoso, Nelson Rodrigues, que representa para os brasileiros algo comparável a Mrożek para os poloneses. Atuou também em filmes e novelas. Apesar de ter sido um artista bastante conhecido antes de deixar a Polônia, foi esquecido por nós após a guerra. Ultimamente, foi publicada sua biografia em polonês escrita por Aleksandra Pluta (uma das representantes da nova emigração polonesa) – "Aquele bárbaro sotaque polonês". Este ano sairá uma edição em português no Brasil.
A personagem de Yanka Rudzka, quase desconhecida na Polônia, é igualmente fascinante. No Brasil, era ligada à cidade de Salvador, aonde chegou nos anos cinquenta do século XX. Era formada em dança, mas não tinha experiência como coreógrafa. Foi apenas lá que teve a possibilidade de desenvolver suas habilidades, por estar em um terreno fértil. Rudzka conseguiu juntar a dança expressionista com as tradições afro-brasileiras. Foi a cofundadora da faculdade de dança na Universidade Federal da Bahia, e é lá também que existe um prêmio anual que leva o seu nome.
O escultor August Zamoyski foi para o Brasil durante a guerra e ficou lá até o ano 1955. Dava cursos de escultura no Rio de Janeiro e em São Paulo, e entre os seus alunos estavam alguns artistas brasileiros importantes. Suas obras foram expostas nos museus mais importantes, e em 1951 participou da primeira Bienal de Arte em São Paulo. Depois, Ryszard Stanisławski estava envolvido com a mesma bienal por anos, e em 1967 Tadeusz Kantor recebeu um prêmio lá. Este ano, Iza Tarasewicz apresentará seus projetos na mesma bienal.
Os arquitetos poloneses, por exemplo Lucjan Korngold, autor de vários edifícios icônicos em Varsóvia e São Paulo, também trabalharam no Brasil. Jorge Zalszupin, um dos maiores nomes do design brasileiro, tem descendência polonesa.
O que foi para você a maior descoberta nas relações polono-brasileiras?
Com certeza os motivos que Jakub Szczęsny está descobrindo em seu projeto, ou seja, a enorme variedade dos vestígios poloneses no Brasil – desde as prostitutas polonesas e judias, até a artistocracia que contribuiu para a formação da elite financeira nas grandes cidades. Em São Paulo também vive Dona Janka, uma das últimas participantes do Levante de Varsóvia que mora no exterior.
Uma descoberta maravilhosa foi o antigo centro de cultura ídiche – a Casa do Povo no Bom Retiro (um parceiro do projeto de Szczęsny). Nos anos pós-guerra e no período da ditadura militar, foi um lugar importante no mapa de atividades artísticas experimentais e de ativismo político. Atualmente, é um espaço alternativo aberto a várias atividades artísticas e sociais, e continua sendo a sede de um coral ídiche.
Descobrimos que o Museu da Arte Contemporânea da USP abriga uma coleção surpreendente de arte contemporânea polonesa, doada ao museu pelo consulado polonês, já inexistente em São Paulo. É preciso realizar uma pesquisa e esclarecer questões relacionadas com a data ou até a autoria de algumas obras.
A segunda, terceira e quarta geração de emigrantes poloneses no Brasil – será que se sentem poloneses?
A assimilação progrediu rapidamente. Os descendentes dos emigrantes são brasileiros, mas mantêm uma identidade parcialmente polonesa, tendo interesse pela Polônia. Por exemplo a artista Giselle Beiguelman, cuja família tem origem nas cidades de Dęblin, Varsóvia e em parte de Przemyśl, fez uma visita de estudo à Polônia e teve uma forte impressão. O resultado disso será um novo projeto artístico que trata de memória e identidade.
Qual é a imagem da Polônia que os brasileiros têm?
Os poloneses mais conhecidos são Lech Wałęsa e João Paulo II, nos meios culturais e artísticos naturalmente Chopin e Marie Curie-Skłodowska, mas também Henryk Tomaszewski, Henryk Mikołaj Górecki, Krzysztof Penderecki, Andrzej Wajda, Krzysztof Kieślowski, Tadeusz Kantor e Jerzy Grotowski – um personagem-chave para o teatro brasileiro. A imagem da cultura polonesa, em comparação com a de outras culturas europeias de forte presença no Brasil – por exemplo a italiana, francesa, japonesa, espanhola ou britânica – é tradicional. Podemos resumir isso numa frase – que é uma imagem positiva, mas bastante chata.
Nosso objetivo é mostrar que temos uma cultura original e fascinante, que no encontro das culturas brasileira e polonesa surgem obras de arte preciosas, assim como na literatura e na arquitetura. Queremos enfatizar que poloneses e brasileiros se influenciam mutuamente de forma positiva e que o resultado dos encontros polono-brasileiros é sempre interessante.
Como foi elaborado o programa de apresentação da cultura polonesa no Brasil?
Como o diretor do IAM, Paweł Potoroczyn, disse numa entrevista, o objetivo do Instituto não é proporcionar diversão à diáspora polonesa (ou pelo menos – não só). Queríamos tratar o Brasil como uma cultura autônoma e original com a qual queremos nos encontrar. Nos dirigimos a ambientes que têm forte influência na formação da imagem contemporânea da cultura brasileira, por isso nos concentramos nas cidades mais importantes – São Paulo e Rio de Janeiro. Belo Horizonte, onde também estamos atuando, está se tornando um lugar cada vez mais importante no mapa cultural do Brasil. Na capital, Brasília, vamos fazer uma exposição de design. O projeto em Salvador ocorreu naturalmente, porque Yanka Rudzka é ligada àquela cidade, e é uma personagem que queremos homenagear.
Vocês estão convidando artistas brasileiros para a cooperação?
A maioria dos projetos é cooperativa. Ora é uma cooperação de artistas, ora de instituições e curadores que buscam o que julgam interessante na cultura polonesa e o que pode despertar o interesse do público local. É para isso que servem as visitas de estudo dos curadores, programadores e artistas brasileiros na Polônia
O que estará inserido no programa?
Apresentamos as conquistas do teatro e da dança, das artes visuais, da música clássica e contemporânea e do design na Polônia, mas também projetos novos e coproduções realizadas tendo o Brasil em mente. A intenção não é levar "produtos acabados", e com certeza não queremos propor ao público brasileiro coisas que apenas nós gostamos, de maneira impositiva. Nós confiamos nos curadores e programadores brasileiros.
Observamos um grande interesse dos brasileiros pelo teatro polonês. Eles querem saber o que se passou e está se passando nesta área depois de Ziembiński, Grotowski e Kantor. A excelente exposição de Tadeusz Kantor, realizada no outono de 2015 no Sesc Consolação em São Paulo, abriu as portas para realizar vários projetos teatrais. Aos artistas do palco e espectadores interessam a linguagem original do teatro polonês, os temas abordados pelos artistas e as realizações dos cenógrafos poloneses.
Em março, na MITsp (Mostra Internacional de Teatro em São Paulo), foi encenada "(A)polônia" de Krzysztof Warlikowski, realizada no Teatro Nowy em Varsóvia. A peça despertou o interesse da mídia e se inscreveu perfeitamente na situação atual – de tensões políticas no Brasil. Lá, numa cena, Agamemnon volta da guerra, quer cumprimentar sua mulher, mas aquele momento íntimo está interrompido pelo hino nacional. Era o hino do Brasil. Na última encenação, em 13 de março, quando milhões de pessoas se manifestaram nas ruas contra o atual governo, o público reagiu com muita emoção àquela cena.
No âmbito de eventos auxiliares, teve um debate com pesquisadores brasileiros e Tomasz Kireńczuk, entitulada "A herança de Kantor". O encontro foi realmente emocionante, durou mais de duas horas, e as perguntas sobre as tendências atuais e os artistas do teatro polonês pareciam não ter fim.
Dentro do festival de teatro Tempo no Rio em outubro, realizaremos uma revista do teatro polonês; construímos o programa em estreita cooperação com os diretores do festival. Vamos mostrar alguns espetáculos, e o programa acompanhante que inclui oficinas e discussões se concentrará na cenografia, na música teatral e na arte dos cartazes teatrais poloneses.
O interesse pelo teatro contemporâneo é recíproco e daí vêm as coproduções teatrais: a de Leonardo Moreira de São Paulo com o Teatro Studio, de Strefa Wolnosłowa de Varsóvia com o Grupo XIX de São Paulo ou de Radosław Rychcik que irá se encontrar com vários grupos teatrais.
Vamos apresentar quatro espetáculos poloneses de dança no festival Vivadança em Salvador, em cooperação com a Art Stations Foundation e o Stary Browar de Poznań. Além disso, será elaborado o espetáculo polono-brasileiro "Projeto Yanka Rudzka. Semente", onde se repetirá o gesto de Rudzka, de criação de um “semente” cujo fruto é uma mescla original da escola de dança europeia com as tradições afro-brasileiras de dança.
Strefa Wolnosłowa, de Varsóvia, iniciou uma cooperação com o Grupo XIX de São Paulo, um coletivo artístico muito interessante, com uma posição bem fundamentada no palco brasileiro. Eles irão trabalhar as questões ligadas à identidade do imigrante. Vamos apresentar também o design polonês no Rio de Janeiro e em Brasília, assentando no diálogo entre projetos e desenhistas poloneses e brasileiros.
Um evento muito importante na área das artes visuais será a participação de Iza Tarasewicz na Bienal de São Paulo. É um dos eventos mais prestigiados, onde Iza apresentará a obra "Turba, Turbo", apresentada anteriormente em Galeria Zachęta, mas adaptada especialmente ao contexto brasileiro. A artista realizará uma residência, em torno da qual pesquisará o tema das mazurcas e ritmos brasileiros que se assemelham às mazurcas. Seu projeto será acompanhado por um programa educativo. No começo de setembro, no início da Bienal, Paulina Ołowska vai realizar o projeto "Mycorial Theater" na galeria Pivô em São Paulo.
As residências abrem as possibilidades de cooperação a longo prazo entre os artistas. Durante as residências artísticas na Polônia e no Brasil, foi criado o projeto da exibição "Ślady ludzi" (Vestígios de gente) de Cristiano Mascaro e Sławomir Rumiak, fotógrafo brasileiro e artista multimídia polonês. Juntando a fotografia e o filme, criaram uma imagem extraordinária das cidades contemporâneas de ambos os países. Karol Radziszewski, na Videobrasil – uma instituição que trabalha com a videoarte e as novas mídias, bem como as questões do assim chamado Sul Global – está apresentando, entre abril e junho, os efeitos de suas buscas em São Paulo. Radosław Rychcik coopera com os grupos teatrais de lá.
Eles irão trabalhar no texto polonês?
Rychcik se debruça sobre um texto polonês,"Zaklęte rewiry" (Áreas enfeitiçadas) de Henryk Worcell e sua adaptação cinematográfica, dirigida por Janusz Majewski em 1975. O tema seria a dependência, a hierarquia social e as relações entre aquele que manda e aquele que serve.
Numa das maiores livrarias de São Paulo – Livraria Cultura – encontrei a poesia de Czesław Miłosz, a biografia de Jan Karski e um livro infantil – um pequeno dicionário ilustrado para a aprendizagem do polonês. Vocês planejam publicar traduções da literatura polonesa contemporânea?
Traduções são uma especialização do Instituto do Livro (Instytut Książki) que tem os seus planos para o Brasil. Primeiro, educar um grupo de tradutores. No ano passado, organizaram uma oficina e um concurso para tradutores jovens, dos quais emergiram pessoas interessantes. A literatura polonesa já está um pouco presente – os mais conhecidos são Szymborska, Bruno Schulz, Miłosz e Gombrowicz, se não me engano todas as obras de Zygmunt Bauman estão disponíveis no mercado brasileiro. "Branco Neve , Vermelho Rússia" de Dorota Masłowska também foi traduzido. A seguinte etapa destas atividades seria cooperar com editores brasileiros e participar de feiras e festivais literários.
Será que o público polonês terá a possibilidade de conhecer os efeitos desta cooperação internacional?
O público polonês já teve a ocasião de ver dois projetos. No começo de março, a peça "Wiosna" (Primavera) de Leonardo Moreira estreou no Teatro Studio em Varsóvia. Vamos mostrar a mesma peça na segunda metade do ano no Brasil. Na primeira metade de 2015 apresentamos também, em cooperação com o Centro Internacional de Cultura em Kraków, a primeira parte da exposição "Vestígios de gente" de Cristiano Mascaro e Sławomir Rumiak. A edição brasileira deste projeto vai ocorrer em São Paulo.
Como imaginam alcançar o público de lá?
Cooperamos com uma agência PR brasileira que conhece o seu público perfeitamente. Tratamos o espectador brasileiro como aquele que já teve a possibilidade de conhecer um pouco da cultura polonesa, mas que não sabe ainda o quanto temos para oferecer de fato. A sociedade de lá é muito diversificada e estratificada. Nos grupos onde o acesso à cultura é limitado, uma outra forma de atividades é recomendável, por exemplo a educação cultural.
Chegamos ao público mais amplo por vários caminhos. Desde a presença no maior festival de teatro até a participação na edição seguinte do FLUPP – Festival Literário de Unidades de Polícia Pacificadora. Ele acontece em favelas do Rio de Janeiro e um de seus elementos é um campeonato de slam poético, para o qual Weronika Lewandowska, da Polônia, foi convidada em dezembro do ano passado.
Desenvolvemos um projeto educativo extraordinário cujo alvo é inspirar o interesse por nossa cultura entre a futura plateia e os futuros artistas, através da cooperação com a escola de música Tom Jobim Santa Marcelina Cultura em São Paulo. Queremos que os regentes e compositores da música polonesa contemporânea comecem a cooperação com os estudantes dessa excelente escola de cunho social.
A chave para o êxito (como se verificou no caso da exposição de Kantor no ano passado) é a cooperação com os parceiros adequados. Nos alegramos muito da parceria com o SESC São Paulo, uma instituição sociocultural excepcional que investe muitos recursos e esforços para realizar projetos culturais do mais alto nível, disponíveis para o público geral de várias classes sociais. O Sesc é nosso parceiro estratégico no Brasil. A perspectiva de cooperar com o Instituto Tomie Ohtake e o Centro Cultural São Paulo também é motivo de alegria. São instituições que apresentam a cultura polonesa há muitos anos e seu interesse por nosso país parece estar crescendo continuamente.
Como será o encerramento do programa?
Muito provavelmente, com shows da banda polonesa Mitch&Mitch e da Orquestra Imperial do Rio de Janeiro. Será um elemento divertido e alegre para finalizar o ano 2016 e ao mesmo tempo uma abertura perfeita para os anos seguintes da cooperação polono-brasileira. Já temos planos para o ano 2017.
Varsóvia- São Paulo, abril de 2016, tradução: Marek Cichy
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