Ficou mundialmente reconhecido por ser principalmente uma figura de originalidade incomparável no teatro do século 20, criador de uma companhia de teatro própria e de peças marcadas pela poética formada sob influência peculiar de sua origem galiciana. Dentro do país, ele desempenhou vários papéis diferentes, especialmente no meio artístico de Cracóvia, com o qual era emocionalmente e artisticamente ligado.
Foi em Cracóvia onde se destacou como um dos personagens mais importantes na vida artística da cidade. Logo depois da II Guerra Mundial, tornou-se um dos criadores do grupo Grupa Młodych Plastyków (Grupo dos Artistas Plásticos Jovens, 1945), e posteriormente, nos tempos do Degelo político (depois de 1956), contribuiu para a reativação do grupo Grupa Krakowska (Grupo de Cracóvia, 1957). Foi por sua iniciativa que foi criada a Galeria Krzysztofory, uma das primeiras galerias do período pós-guerra que exibia a arte atual. Comprometeu-se, também, na organização da 1ª Exposição de Arte Moderna (Cracóvia 1948). Manteve uma posição predominante e influente até a sua morte, que ocorreu pouco antes da estreia de sua última peça intitulada, de forma um pouco irônica e simbólica "Dziś są moje urodziny" (Hoje é meu aniversário).
O teatro de Tadeusz Kantor
Kantor estudou na Akademia Sztuk Pięknych em Cracóvia (1934-39), onde teve como um dos seus professores Karol Frycz, pintor e cenógrafo. Ele próprio também trabalhou, com alguns intervalos, como docente na mesma escola (1948-49, 1967-69). Durante toda a vida, foi tentando conciliar atividades diferentes, sendo ativo como animador da vida cultural, teórico de arte e praticante dela: pintor (e.g. aficionado e promotor do tachismo), um dos primeiros happeners na Polônia, e acima de tudo um homem do teatro: autor, encenador, cenógrafo, ator
Já durante a ocupação alemã (1939-1945), criou em Cracóvia um teatro experimental clandestino, desempenhou um papel unificador no meio da arte. O teatro teve a sua continuação com o Cricot 2, criado em 1956, modelado com referência à tradição do teatro cracoviense de artistas plásticos vanguardistas Cricot, criado por Józef Jarema, pintor e membro do grupo Komitet Paryski (Comité de Paris), estabelecido na emigração após a Guerra. As realizações teatrais permanecem o auge da atividade artística de Kantor. Foram muito bem avaliados já os primeiros ensaios teatrais inspirados pelos textos de Stanisłam Wyspiański, e em especial pelos de Staniwsła Ignacy Witkiewicz, como "Wariat i zakonnica" (O louco e a freira, 1963); "Nadobnisie i koczkodany" (Formas delicadas e macacos peludos, 1972), entre outros, que contribuíram em grande medida para popularizar essa dramaturgia exigente.
No entanto, foram as realizações posteriores que lhe renderam o maior reconhecimento internacional, em parte criadas sob a influência da prosa de Bruni Schulz, e em outra, referentes à biografia do autor, arquivo de sua memória privada. Essas peças mais importantes são: "Teatr śmierci: Umarła klasa" (Teatro da morte: a classe morta, 1975); "Gdzie są niegdysiejsze śniegi?" (Onde estão as neves do passado?, 1979); "Wielopole, Wielopole", 1980; "Niech sczezną artyści" (Que morram os artistas, 1985); "Nigdy tu już nie powrócę" (Nunca mais voltarei, 1988); "Dziś są moje urodziny", (Hoje é meu aniversário, 1991). Não obstante, quer utilizasse uma obra literária, quer escrevesse ele próprio o guião, sempre criava peças originais e coerentes pelas quais assumia a responsabilidade total.
Em muitas delas, participava diretamente, como uma espécie de de mestre de cerimônias, acompanhando atentamente a linha da ação e intervindo sempre que necessário. Foram estas realizações, visões originais cheias de referências à história e iconografia polonesas, complicadas e multiculturais, que ganharam fama e tornaram seu autor o padroeiro do teatro que une a visão plástica da forma com o desejo de uma mensagem profundamente pessoal, emocional. Muitas delas fazem parte da história da dramaturgia mundial.
Em Cracóvia e em Florença foram criados centros do Teatro Cricot 2. Florença se ocupa também da documentação de outras atividades artísticas de Kantor e da pesquisa sobre a recepção de sua arte.
Ao contrário da obra teatral, a sua herança em outros domínios, inclusive no da pintura, é avaliada com ambiguidade. A sua visão de arte foi o resultado da busca por meios de expressão artística que pudessem enfrentar os desafios da modernidade. Já em 1945, exprimiu essa necessidade num manifesto do realismo intensificado, escrito junto com Mieczysław Porębski. Lá, exortava em arriscar em nome da liberdade de criação, realçava a importância do experimento, acentuava a necessidade de os artistas manterem a independência das pressões político-ideológicas (no período do realismo socialista, ele se retirou da vida cultural pública). Ele próprio tentava realizar os postulados de uma maneira específica própria: absorvendo todas as novidades, assimilando com habilidade o que lhe era útil, modificando e transformando.
Como pintor, durante um longo tempo, desempenhou o papel de um médio, processando os impulsos artísticos que iam afluindo da Europa Ocidental (em 1947, visitou Paris), portanto, o seu próprio trabalho nesse domínio não era completamente autônomo. Logo depois do fim da guerra, pintou obras figurativas, cheias de silhuetas simplificadas e grotescas, onde o ar lúgubre era reforçado por tons escuros e textura áspera, e.g. "Kompozycja", (Composição, 1944-1945). Depois, veio a época de composições dinâmicas e metafóricas com tonalidade fria e escassa, semelhantes, de certa maneira, às obras contemporâneas de Maria Jarema e Jonasz Stern ("Ponad-ruchy", 1948).
Na segunda metade dos anos 50, Kantor criou principalmente telas tachistas, pintadas de maneira violenta. Essas obras encantavam, de certo modo, pelo seu lado visual: a vibração das cores, das linhas, manchas e pinceladas. Porém, ao mesmo tempo, davam uma impressão de uma atitude “utilitária” do autor para com a matéria plástica utilizada ("Oahu", 1957), se bem que Kantor tivesse escrito que elas eram uma «secreção» natural da sua vida interior. A originalidade dessas obras foi percebida pela crítica estrangeira, inclusive a francesa, já naqueles tempos a mais influente no mundo (no final dos anos 50, Kantor mostrou, várias vezes, e com êxito, suas pinturas em Paris).
Um pouco mais tarde, o artista criou numerosas assemblagens e embalagens, composições semi-tridimensionais onde os objetos aplicados na tela, usados e muitas vezes já desgastados (envelopes, sacos, guarda-chuvas) transformaram a pintura em um alto-relevo ("Mr. V Prado - Infantka", 1965; "Emballage", 1967). Nessas mesmas pinturas, aparecia de novo a figura, deformada, apresentada de uma maneira reduzida, escondida debaixo do guarda-chuva num gesto dinâmico e simbólico de autodefesa, e.g. na obra "Ambalaż - przedmioty, postacie" (Embalagem: objetos, figuras, 1967). Assim, o guarda-chuva, esse objeto degradado especialmente favorecido por Kantor (sendo um “sintoma da realidade de categoria inferior”), que já não podendo exercer sua função original, inesperadamente a recuperava. Numerosas séries de pinturas de Kantor dos anos 70 e 80 desvendam uma relação forte com sua atividade teatral paralela, por exemplo, durante o trabalho com a peça "Umarła klasa", estreada em 1975, foi criada uma série de composições com o mesmo título. No período posterior o artista dedicou-se principalmente ao teatro, voltando à pintura só nos últimos anos da vida. Naquela época, criou composições com uma silhueta humana solitária, apresentada, assim como na arte de nova figuração, num gesto “cênico” único. Aqueles trabalhos de tonalidade fria, reportam-se às vivências pessoais do autor (o ciclo "Dalej już nic", 1987-88).
Kantor criava também uma variedade de atividades parateatrais, que anteciparam muitos fenômenos representantes da arte polifônica dos anos 60 e 70. Entre eles, estão os environments (uma “anti-exposição” intitulada "Wystawa Popularna" – Exposição Popular – na Galeria Krzysztofory, em Cracóvia em 1963) e os numerosos happenings ("Linia podziału" - A linha de divisão, Galeria Krzysztofory, 1966; "Panoramiczny happening morski" - O happening panorâmico marítimo - Osieki, 1967; "List" – A carta – Galeria Foksal, Varsóvia, 1968; "Lekcja anatomii wg Rembrandta"- Aula de anatomia segundo Rembrandt - Kunsthalle em Nuremberga, 1968, Galeria Foksal 1969). Não evitou o fascínio pelo conceitualismo (veja "Wielkie krzesło" – Cadeira grande - desenhada no âmbito do Simpósio de Wrocław'70).
Na literatura abundante dedicada ao artista, destacam-se, entre outros, o ensaio de Wiesław Borowski Tadeusz Kantor (1982), o livro de Mieczysław Porębski "Deska" (A prancha, 1997), um volume de estudos de vários autores "W cieniu krzesła" (Na sombra da cadeira, 1997) e a documentação da colaboração do artista com a Galeria Foksal em Varsóvia (1999).
Cricot 2
Kantor inspirava-se no construtivismo e dadaísmo, pintura informel e surrealismo. Os primeiros espetáculos dele, "Orfeusz" (Orfeu) de Jean Cocteau, "Balladyna" de Juliusz Słowacki, "Powrót Odysa" (O retorno do Odisseu) de Stanisław Wyspiański, foram criados num pequeno teatro clandestino e estrearam em casas privativas.
Logo após a guerra, Kantor trabalhou como cenógrafo, principalmente para o Stary Teatr im. Heleny Modrzejewskiej (Teatro Antigo de Helena Modrzejewska) em Cracóvia. Criou cenografias (normalmente abstratas) até ao fim dos anos 60. A viagem a Paris, em 1947, foi um impulso para definir sua própria concepção individual da pintura. Em 1957, estabeleceu o coletivo artístico Grupa Krakowska e participou da Wielka Wystawa Sztuki Nowoczesnej w Krakowie (Grande Exposição de Arte Moderna em Cracóvia). Parou de pintar no momento da implementação do realismo socialista pelas autoridades. Suas obras de pintura dos anos 1949-1955 só foram exibidas em 1955.
Carrying on Kantor's legacy, Cricot 2 Theatre Centres have been created in Kraków and Florence. In addition to studying Kantor's theatre, the latter also documents the artist's other activities and examines the reception and perception of his work.
O ano de 1955 foi importante para Kantor por mais uma razão: o estabelecimento, naquele ano, do teatro Cricot 2 por um grupo de artistas plásticos, críticos e teóricos de arte por ele orientados. Foi um teatro onde Kantor pôde desenvolver e experimentar suas ideias artísticas. A primeira estreia do teatro Cricot 2 foi "Mątwa" (Choco) de Stanisław Ignacy Witkiewicz (1956), em que o diretor utilizou o contraste entre o texto requintado e sutil e os objetos comuns, um ambiente vulgar de um público da plateia em um café. Na peça, apareceram também elementos característicos do estilo teatral de Kantor: as técnicas da estruturização da cenas proveniente do filme mudo e atores que se movimentavam como manequins.
No segundo espetáculo do teatro Cricot 2, “Cyrk” (O Circo), drama do pintor e membro da companhia Kazimierz Mikulski, encontramos mais um elemento reconhecível da arte cênica de Kantor: a embalagem, sacos pretos em que embalava cuidadosamente os atores. A embalagem visava privar os atores e os objetos de sua forma original, tornando-os uma matéria disforme. O passo seguinte, após a embalagem, foi a criação do “teatro informel” (1960-62) – um teatro automático sujeito ao acaso, ao movimento da matéria. Na peça "W małym dworku" (Casa pequena) de Stanisław Ignacy Witkiewicz (1961), os atores eram tratados como objetos, completamente privados de traços individuais.
Contudo, também o “teatro informel” não chegou a satisfazer as pretensões de Kantor, por faltar nele a integridade interna e sendo seus elementos particulares demasiado suscetíveis à redução. A ideia do “teatro informel” foi assim substituída pela noção de “teatro zero” (1962-1964), privado da ação, dos acontecimentos. A sua realização mais perfeita foi a peça "Wariat i zakonnica" (O louco e a freira) também de Witkiewicz, encenada por Kantor em 1963.
LA trajetória da prática e estética nas ações cênicas levou Kantor até ao limite da noção habitual de teatro. Em 1965, foram criados os primeiros happenings poloneses "Cricotage" e "Linia podziału" (A linha de demarcação). O happening, como escreveu o próprio Kantor, foi a continuação lógica da sua atividade anterior como pintor e homem do teatro:
"Até agora tentava vencer o palco, neste momento tenho resignado completamente do palco compreendido como o espaço que fica em certa relação com o público. Para achar o espaço novo tinha ao meu dispor, em teoria, toda a realidade da vida." (em: Jan Kłossowicz, Tadeusz Kantor)
A desilusão com o happening levou Kantor novamente para o teatro. Em 1972, encena "Nadobnisie i koczkodany" de Witkiewicz, em que os elementos de happening ficam absorvidos pela forma de espetáculo. Três anos mais tarde, na peça "Umarła klasa", Kantor desenvolveu mais uma corrente em seu teatro, chamada por ele de teatro da morte. Foi dentro desta corrente que criou as peças mais destacadas e famosas: "Wielopole, Wielopole" (1980), "Niech szczezną artyści" (1985), "Nigdy już tu nie powrócę" (1988) e o póstumo "Dziś są moje urodziny" (1991), onde o motivo principal é a morte, a evanescência do mundo, a memória e a história nela conservada. Nos espetáculos do "teatro da morte" fica ainda mais visível o conceito kantoriano da "Realidade da Categoria Inferior",
"que me faz sempre meter e exprimir as coisas através da matéria inferior, a mais baixa, mísera, privada da dignidade, prestígio, indefesa, muitas vezes mesmo vil." (Tadeusz Kantor em: Jan Kłossowicz, Tadeusz Kantor)
"Dizer sobre Kantor que ele era um dos mais significantes artistas poloneses da segunda metade do século 20 é dizer pouco demais. Ele é para a arte polonesa o que para a arte alemã era Joseph Beuys, e para a americana Andy Warhol. Criador de uma visão do teatro completamente original, participante ativo das revoluções neovanguardistas, teórico original, inovador profundamente radicado na tradição, pintor anti-pintura, happener-herege, conceitualista irônico… são apenas algumas das várias facetas dele. Ainda por cima, Kantor era um animador incansável da vida cultural na Polônia pós-guerra, diríamos, uma força motriz dela. A sua grandeza não consta só da sua obra, mas dele próprio compreendido como um fenômeno, um tipo de Gesamtkunstwerk que é constituído por sua arte, sua teoria e sua vida (Jarosław Suchan, curador da exposição Tadeusz Kantor. O impossível).
Principais condecorações:
- 1976 - prêmio honorário pela representação da peça "Umarła klasa" (A classe morta) no 17° festival de arte moderna Festiwal Polskich Sztuk Współczesnych em Wrocław
- 1976 - prêmio Boy-Żelenski Prize por "Umarła klasa"
- 1977 - Norwid Critics' Award for por "Umarła klasa"
- 1978 - prêmio de melhor espetáculo, "Umarła klasa", Caracas
- 1978 - prêmio Rembrandt concedido pelo júri internacional da Fundação de Goethe em Basileia pela contribuição real na formação da imagem da arte da nossa época
- 1980 - prêmio OBIE (EUA) prêmio dos críticos de Nova Iorque concedido pela encenação da melhor peça na Broadway, e o off-Broadway, "Umarła klasa", 1979
- 1981 - prêmio do Ministro da Cultura e da Arte da Polônia do 1° grau na área de teatro pela obra cenográfica
- 1982 - diploma do Ministro de Negócios Estrangeiros pela divulgação da cultura polonesa no estrangeiro
- 1985 - Legião de Honra da França
- 1986 - prêmio "Targa Europea", concedido aos homens de cultura e ciência mais significantes da Europa, Itália
- 1986 - prêmio dos criticos de Nova Iorque pela melhor peça encenada na Broadway (encenação e atuação)
- 1989 - Comandor da Ordem de Arte e de Literatura, França
- 1990 - Grande Cruz de Mérito da Républica Federal Alemã pelo significante impacto na arte contemporânea da Europa e pelos méritos na reanimação da imagem cultural da Alemanha Oeste.
Autora: Małgorzata Kitowska-Łysiak, Instituto de História de Arte da Universidade Católica de Lublin, 2002. Tradução: Katarzyna Stachowicz
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