Aleksandra Pluta: Como surgiu a ideia de escrever este livro?
Veronica Stigger: Tenho uma vida dupla. Acadêmica e literária. Em 2006, realizei o projeto de pós-doutorado em colaboração com o Museu de Arte Contemporânea (MAC USP), em São Paulo, durante o qual estive focada na análise do trabalho de alguns artistas. Um deles foi o "Opisanie świata", de Roman Opałka. Outro - uma série de esculturas inspiradas na Amazônia realizadas pela artista brasileira Maria Martins. Ao contrário da Martins, sobre a qual no Brasil pode-se encontrar um rico material bibliográfico, havia muitas dificuldades para se obter as informações sobre Roman Opałka. Fiquei meses estudando o trabalho destes atristas, tempo no qual mergulhei entre dois mundos: Polônia e Amazônia. E quando estava completamente absorvida nisso, meu marido me perguntou um dia:
"Por que você não escreve um romance, que começa na Polônia, e termina na Amazônia?"
Pensei que era uma boa ideia. Adoro desafios. Por um longo tempo perguntava-me como realizar esta ideia. Importante para mim foi a ideia da viagem. O tempo todo tinha atrás de mim Opalka e seu "Opisanie świata". Descobri que o título polonês do livro sobre as viagens de Marco Polo era o mesmo que o ciclo de obras de Opalka. Quando descobri isso, tive a certeza de que este seria também o título do meu livro. Para mim, o título é muito importante. Uma vez que o tinha, seria mais fácil trabalhar no livro.
Você nasceu em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul onde moram muitos descendentes dos imigrantes poloneses. Você também tem origem polonesa?
Não, tenho ascendência alemã e italiana, que representam uma mistura comum do nosso estado entre uma determinada classe. A avó do meu pai veio da Alemanha, o avô provavelmente da Áustria. Enquanto meu avô do lado da minha mãe veio da Itália. Na escola não tinha amigos de origem polonesa. Essa fascinação pela Polônia veio através da minha pesquisa sobre Roman Opałka. Em um dos sites brasileiros de redes sociais me inscrevi em um grupo de imigrantes poloneses no Brasil. Perguntei-lhes centenas de coisas, queria que me explicassem vários assuntos relacionados a Polônia, que precisava saber para escrever o meu livro. Antes de tudo tinha que decifrar como pronunciar corretamente “Opisanie świata”. Até hoje não tenho certeza se pronuncio corretamente o título de meu próprio livro.
Você tinha já pronto o título e o tema. Qual foi o próximo passo?
Como já falei, este título chamou imediatamente a ideia da viagem. Queria que a ação do romance começasse no dia em que o protagonista, Opalka, inicia a sua viagem, e terminasse quando ele chega ao destino. Queria que toda a ação do meu romance acontecesse durante a viagem, por isso tinha de ser uma longa viagem. Primeiro de trem da Polônia até uma cidade portuária, em seguida, de navio através do Atlântico para o Brasil, para a Amazônia. Não queria que fosse uma viagem ao desconhecido. Pensava mais na ideia de voltar para um lugar onde o protagonista tinha passado algum tempo há muitos anos. Opalka deixou seu filho na Amazônia, que agora está em estado terminal e quer saber de seu pai real. A ação tem lugar na véspera da II Guerra Mundial. Quando Opalka chega após uma longa viagem de navio para o Brasil, descobre que a Polônia foi invadida pela Alemanha e deixou de existir.
Para os poloneses esta história lembra a história de um escritor polonês, Witold Gombrowicz, que também veio para a América do Sul, na véspera do início da Segunda Guerra Mundial. É esta associação que você quis obter?
Não li ainda nenhum livro de Gombrowicz. Meu amigo acabou de me dar de presente "Transatlântico" na tradução espanhola, que me trouxe de Buenos Aires.
O uso do nome de Opalka não é o seu único empréstimo do mundo real. No livro, há muitas referências a importantes e bem conhecidos artistas brasileiros e muito mais.
Sim, me inspirei em muitos personagens, mas ao mesmo tempo queria que o livro pudesse também ser lido sem conhecer todas essas referencias. O nome do companheiro de Opalka durante a viagem através do oceano, era Bopp, emprestado do famoso poeta brasileiro, Raul Bopp.
O livro é composto de várias camadas. Tem a narração em primeira pessoa (diário de viagem de Opalka), a narração em terceira pessoa, bem como anúncios espalhados no meio do livro, que permitem sentir a atmosfera histórica em que a ação tem lugar. Neste diário de viagem, em que Opalka descreve Bopp, cito as declarações de outras personalidades reais, que descreveram o poeta verdadeiro, Raul Bopp. Várias citações foram usadas no texto, mas nem cada leitor percebe isso, porque não usei aspas.
Misturo a minha linguagem com os testemunhos de outros. Portanto, no final do livro, coloquei uma lista de autores e obras que me serviram de inspiração, incluindo a música ("Clair de lune" de Debussy, entre outras) e filmes (por exemplo "Amarcord" de Fellini), que contribuíram para a forma final do livro. De outra inspiração me serviu uma correspondência dos imigrantes poloneses no Brasil que encontrei na internet. Usei trechos destas cartas no início do meu livro, na carta, na qual o filho moribundo de Opalka pede ao pai para visitá-lo. Este não é de forma alguma um trabalho acadêmico, não queria usar aspas. Roubei-lhes estas passagens, apropriei-me delas, era a minha intenção literária consciente.
Como um dos lemas do livro você escolheu as palavras de Michel Foucault, que em uma carta a um amigo escreve que a ação de "Ubu Rei" tem lugar na Polônia, ou seja em "nenhum lugar". Por que essa escolha?
Eu não gosto de especificar muito claramente onde acontece a história. Descrevo o lugar com muitos detalhes, mas não dou o nome específico. Um leitor mais atento vai descobri-lo. Ao abrir este livro, você vê uma imagem de Varsóvia. Talvez nem todos os leitores brasileiros saberão que a fotografia foi tirada em Varsóvia, mas acho que a maioria sim. Além disso, o primeiro capítulo começa com as palavras "How to be happy in Warsaw". Este é o título de um guia que Bopp lê durante a sua viagem pela Europa. É claro, portanto, que o início da ação tem lugar na Polônia.
Quando criei o personagem de Bopp, usei muitas informações que circulam sobre ele no Brasil. Todo o mundo sabe que ele era um viajante, poeta, diplomata e tinha uma vida louca. Sérgio Buarque de Holanda escreveu que o havia encontrado uma vez em Berlim, e Bopp tinha o guia "How to be happy in Warsaw” debaixo do braço. Então emprestei dele essa anedota.
A parte gráfica do “Opisanie świata” é muito interessante: o livro é composto por muitas fotografias antigas e materiais da imprensa da época.
Dediquei muito tempo folheando velhas revistas e jornais. Queria saber como a guerra foi descrita em jornais brasileiros da época, procurava pequenos anúncios de jornal. Achei diferentes materiais gráficos, como folhetos para incentivar a emigração para a América do Sul, publicidade na imprensa na primeira metade do século XX. Há, por exemplo, um mapa, que mostra a rota de um navio de passageiros de Hamburgo para Manaus. Foi uma descoberta interessante para mim, porque pensava que não existiam rotas diretas da Europa para o coração da Amazônia. Com essas dicas gráficas o leitor tem a oportunidade de descobrir onde o romance acontece, embora eu não estivesse dizendo isto diretamente.
Muitas vezes você toca no livro a questão de desenraizamento. Seus protagonistas, continuamente na estrada, não conseguem encontrar um lugar para si.
Quando, em 2001, mudei de Porto Alegre para São Paulo, me dei conta de que a condição de um homem moderno é aquele de estar em constante movimento. E estamos falando de uma mudança de uma cidade para outra dentro do mesmo país. Mas esta suspensão entre Porto Alegre e São Paulo me ajudou a entender, no entanto, que estamos em viagens constantes, não pertencemos a nenhum lugar. Eu não sou de São Paulo, não nasci aqui, não tenho aqui amigos de escola. Não poderia dizer sobre este lugar que é meu. Mas quando volto a Porto Alegre, vejo que não é mais a mesma cidade como eu me lembro dela. Você não pode voltar para o mesmo lugar. Desta ideia veio o protagonista que retorna à cidade onde tinha passado algum tempo de sua vida, mas hoje esta cidade já é bastante diferente.
A memória de uma Manaus bonita e elegante dos anos de boom de borracha, contrasta com a imagem da cidade em um estado de decadência em que se encontra quando Opalka volta depois de anos de ausência. Esta é a situação do homem moderno, alienado, em constante movimento. Interessa-me a questão da emigração, emigração europeia para o Brasil no final do século XIX e início do século XX, como no caso da minha família, meio italiana, meio alemã. Esta situação, que afeta muitas pessoas que têm de emigrar ou que querem emigrar. Esta é a condição do homem moderno.
Você já esteve na Polônia?
Nunca. Disse que primeiro preciso escrever o livro, e só depois posso ir para lá.
Bem, agora chegou a hora.
Entrevista por Aleksandra Pluta
Veronica Stigger nasceu em 1973 em Porto Alegre, no Brasil. Escritora, jornalista, crítica de arte, professora. Autora dos livros: "O trágico e Outras Comédias" (2003), "Gran cabaret demenzial" (2007), "Os Anões" (2010), "Opisanie świata" (2013). Vencedora de três grandes prêmios literários no Brasil: Premio Literário da Fundação Biblioteca Nacional (2013), o Prêmio de Literatura São Paulo (2014) e os Açorianos Prêmio (2014) – todos para a "Opisanie świata". Mora em São Paulo. Seus livros não foram ainda traduzidos para o polonês.
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